“O emprego tem de ser o objetivo da gestão camarária 24h/dia”
Na sua primeira grande entrevista como líder da Secção Política Concelhia do PSD, Miguel Almeida não poupa críticas ao atual executivo, considerando mesmo que o presidente da Câmara, João Ataíde, devia pedir desculpas aos figueirenses, “por ter mentido” e feito promessas eleitorais que sabia não poder cumprir. Miguel Almeida avança ainda com algumas das linhas genéricas do programa com que se propõe reconquistar, em 2013, não apenas a Câmara, mas a dinâmica que a Figueira conheceu no tempo de Santana Lopes.
Qual o balanço que faz do ato eleitoral que o colocou na liderança do PSD local?
Considero que correu muito bem. Se fizermos o paralelo com a percentagem de votantes nas eleições do PSD nacional, os números da Figueira da Foz até são razoáveis. E o resultado final, de 89,4%, é um mandato claríssimo para liderar os destinos do partido na Figueira e tomar as opções políticas que aí vêm. Chegaram a ser avançadas duas candidaturas, uma que acabou por apoiar e integrar a minha lista, e outra de um militante que desistiu quando soube que eu ia concorrer. Isto também prova que a minha candidatura reuniu o consenso.
candidatura de militantes sem atividade partidária conhecida e até não militantes versus um movimento de cidadãos. Qual a diferença?
Há uma diferença absoluta. Os movimentos não têm as regras de um partido, são compostos de pessoas provenientes dos mais diversos quadrantes políticos, que se reúnem em torno de um objetivo comum, mas que não obedecem às regras partidárias. No caso do MF100% o objetivo comum era o interesse da Figueira, mas politicamente não há uma ideologia comum. A minha candidatura foi procurar pessoas sem ligação direta à gestão autárquica no passado, mas que são militantes, ou seja, podem obviamente dizer o que pensam e o que defendem, dentro do partido, mas depois de encontrada uma solução vigora, naturalmente, a chamada disciplina partidária.
Houve ou não a intenção de ir buscar apoio e espírito ao Movimento Figueira 100% (MF100%)?
Sobre a questão de ir buscar eleitorado que pudesse ser votante do PSD… eu acho que o MF100%, nas últimas eleições, tirou a maioria absoluta ao PS. Não sou dos que acredita que o movimento retirou significativamente votos ao PSD. O PSD tem a porta aberta a todos, como sempre teve, independentemente de terem ou não feito parte do MF100%, ou até de terem votado para eleger o Dr. Ataíde. Todos estão convocados para trabalhar em prol da Figueira. Agora, ninguém pode estar é em dois lados. Aqueles que saíram do partido, por sua livre vontade, e se associaram a um movimento que é contra o partido… têm de decidir o que querem. Mas, repito, as portas não estão fechadas a ninguém.
Ainda faz sentido, hoje, falar em ideologias político-partidárias?
Faz, aliás, esse é um debate importante, que terá de ser realizado e de forma profunda, no país e na Europa. A matriz ideológica dos partidos esvaiu-se. E isso parece-me grave porque é nestes momentos de crise que era fundamental que os caminhos estivessem claros. Aí concordo com o Dr. Mário Soares. Os políticos têm de assumir-se. Eu desconfio muito das pessoas que exercem funções políticas e dizem que não são políticas…
E na política local, qual é a diferença entre PS e PSD?
Eu tenho muita dificuldade em falar de um PS na Figueira, porque uma coisa é o PS e outra é a equipa que está na Câmara. São coisas muito diferentes, como se tem verificado nos últimos dois anos. As pessoas que estão na Câmara esqueceram-se, quando chegaram ao poder, de tudo o que tinham dito e defendido quando estavam na oposição. E nem é tanto o presidente, que tem uma história muito recente no partido, mas principalmente o vereador António Tavares, que se pôs especialmente a jeito porque até escreveu um livro, e agora faz e defende tudo ao contrário. Podem dizer que é natural que na oposição se façam propostas que depois, no poder, se percebe que não são viáveis, e críticas que só depois se tem consciência de que são injustas… mas uma oposição responsável tem de ter essa consciência. Nunca me ouviram defender nada, mas mesmo nada, que eu não saiba que faria, e que teria condições para fazer, se estivesse no poder. É essa oposição responsável que o PSD tem feito, e o presidente não se pode queixar de um único obstáculo criado pela nossa bancada naquilo que são decisões ou projetos estruturantes para o concelho. Não estamos cá para fazer oposição destruindo ou bloqueando instrumentos e ferramentas que são essenciais para a gestão camarária, como orçamentos ou o Plano de Saneamento Financeiro (PSF). Pelo contrário, nós temos sido, em muitos dossiês, parte da solução. No PSF, por exemplo, não tenho dúvida nenhuma em afirmar que foram as nossas propostas, que reduziram drasticamente o que era proposto inicialmente, a permitir que fosse aprovado… porque de outra forma o Tribunal de Contas teria confrontado o PSF com o orçamento da Câmara e não passava, porque não batia a cota com a perdigota. E fizemo-lo mesmo correndo o risco de estar a ajudar a uma solução que depois acaba por ser reivindicada e capitalizada pelo atual presidente. Porque o que interessa ao PSD é que os problemas da Figueira sejam resolvidos da melhor forma possível. Claro que quando temos de fazer oposição ou levantar questões, fazemo-lo.
Mas qual é, insisto, a diferença entre PS e PSD na política local?
Mas qual PS local? O partido ou quem está na Câmara? É que o PS da Figueira diz uma coisa e quem está na Câmara diz outra. E tem-se visto, nos jornais, e ouvido, em algumas intervenções, o deputado João Portugal (líder da concelhia socialista), a exigir que se cumpra, pelo menos, um mínimo do programa eleitoral. Eu isso tenho de reconhecer ao PS local, incluindo o anterior presidente da concelhia, António Paredes. Ele e o Dr. João Portugal têm sido as únicas vozes socialistas a exigir que se cumpra o que se prometeu aos figueirenses. Ou seja, o PS, enquanto estrutura, tem tentado que o programa que em seu nome foi apresentado aos figueirenses seja minimamente honrado. Estranho é que quer o vice-presidente da Câmara, Carlos Monteiro, que é dirigente do PS local, quer o vereador António Tavares, que esteve na oposição, se tenham esquecido de todas as promessas que fizeram. Foi uma amnésia total.
Mas havia, ou tem havido, condições para cumprir o que se prometeu?
Em primeiro lugar, há promessas e promessas. Há umas que custam dinheiro e outras que não, ou que pelo menos não têm custos significativos que justifique não se cumprirem. Em segundo lugar, quando ainda era candidato, o Dr. Ataíde deu uma entrevista em que declarava que o saneamento financeiro seria a sua prioridade porque a situação da autarquia era, neste domínio, “dramática”. Estou a citá-lo. E tinha razão. E quando disse que não iria prometer mundos e fundos eu, confesso, fiquei descansado, fiquei à espera de uma campanha séria. Mas depois surgiram os cartazes, ou outdoors, a prometerem tudo: o regresso do Mundialito, o Mundial de Surf, a Gala dos Pequenos Cantores, o coreto, o Festival de Cinema, a aldeia do mar, o corredor verde, manuais escolares e rastreios dentários e oftalmológicos gratuitos para o 1.º ciclo… eu sei lá. E é aí que o Dr. João Ataíde disparou nas sondagens. Com muitas promessas que, conhecendo a situação financeira da Câmara – e o Dr. António Tavares, um ano antes, tinha feito uma apresentação das contas da Câmara que divergiria, quando muito, em 2 milhões de euros da situação que o executivo encontrou quando chegou ao poder –, não tinha como acreditar que poderia cumprir. Mas foi com essas promessas inexequíveis que o PS ganhou a Câmara, não haja dúvidas. E agora? Agora quem prometeu devia, no mínimo, pedir desculpa aos figueirenses, por ter mentido.
Que balanço faz o PSD da ação do executivo?
Dois terços do mandato já passaram. 28 meses. Acho que nem o executivo tem noção disso, é uma forma estranha de trabalhar. Acho que o Dr. Ataíde devia ter no gabinete um calendário do mandato, para ter noção de quantas semanas já passaram e de quantas lhe restam para cumprir o que prometeu na campanha eleitoral. Porque já passaram 28 meses e o presidente não cumpriu… nada. Como alguém disse, o que é dele não é bom, e o que é bom não é dele. E eu não digo isto com gosto, a sério que não. Porque a Figueira não pode suportar mandatos atrás de mandatos em que as coisas não funcionam, e o último mandato do Eng.º Duarte Silva já não foi brilhante, não por culpa do próprio, mas pelos desentendimentos entre vereadores e pelas situações que se criaram… O PSD tem de aprender com esses erros, mas seria bom que quem está no poder também aprendesse. Mas o que se vê é o executivo a perder demasiado tempo, tempo que a Figueira não tem, com a engrenagem da Câmara. O problema não está na composição do executivo ter apenas um militante socialista, porque a máquina partidária, diga-se a verdade, nem se sente muito… No mandato do Dr. Santana Lopes, de seis elementos, inicialmente apenas dois eram do PSD, ele e eu, e funcionou tudo bem. Porquê? Porque a experiência política do Dr. Santana Lopes lhe permitia perceber os equilíbrios que necessários entre um executivo eleito por um partido e o próprio partido. Mas até é ofensivo comparar as duas lideranças, o Dr. Santana Lopes que me perdoe este desvio, porque não há comparação possível. É que hoje em dia não existe uma liderança na Câmara. Esse é o principal problema: não existe quem mande.
O PSD quer reganhar a Câmara. Com que argumentos?
Não é fácil ganhar eleições a um presidente que se recandidata após o primeiro mandato. Nem fácil nem usual. Mas acontece. E, se o Dr. Ataíde se recandidatar, é isso que estou convencido que vai acontecer. Aliás, não tenho dúvidas: se as eleições fossem daqui a dois meses, o PSD ganhava. Porque o desgaste deste presidente, ao fim de dois anos, mesmo sem grandes desentendimentos internos nem uma oposição destrutiva, é igual ao que tinha o Eng.º Duarte Silva ao fim de oito anos, com todas as vicissitudes que teve de enfrentar. E por isso, daqui a dois anos estou confiante que o PSD ganha, mas admito que há fatores externos a considerar, incluindo o impacto das medidas do PSD nacional, necessárias mas penosas para o povo português, nas votações locais. E isto é algo que não podemos controlar. Agora, se houve uma proposta que foi cumprida, foi a da aldeia do mar. Porque a Figueira está hoje pior do que em 1997. Parou. É uma aldeia. E o PSD quer e sabe como mudar isso, e é por isso que vai ganhar a Câmara nas próximas eleições.
E como é que o PSD se propõe fazer isso, numa altura de crise?
Nem tudo se resolve com dinheiro. A presença na BTL (Bolsa de Turismo de Lisboa), por exemplo. Não custava dinheiro. Mas a Figueira da Foz foi o único concelho que não esteve representado pelo seu presidente, mas por uma funcionária. Ou seja, nem o presidente, nem a vereadora responsável pela empresa municipal de turismo, passaram por lá. Porquê? Estavam os dois de férias. Nem o vice-presidente lá foi. Zero. Isto é desrespeitar quem os elegeu e brincar com a cidade. Bastava reunir com os hoteleiros, com a restauração e outros agentes da economia local, e ir lá, vender a marca Figueira. Mas não. Se não fosse o sr. Mário Esteves ter lá estado a promover, com representantes de 20 restaurantes do concelho, o Festival de Peixes, a Figueira da Foz teria estado completamente ausente da BTL. E isto custa-me muito, porque a marca Figueira da Foz, pensada e construída no tempo do Dr. Santana Lopes, deu muito trabalho. E custou muito dinheiro, dirão alguns. É verdade, mas foi um investimento e as pessoas sentiam o retorno, porque a cidade fervilhava e era falada no país. Gastou-se dinheiro a ir a feiras de turismo, mas os turistas vinham. Gastou-se dinheiro na promoção da marca, nos spots promocionais que passavam na televisão ou que decoravam autocarros, mas as pessoas conheciam e reconheciam a marca Figueira da Foz. O metro quadrado na Figueira da Foz era dos mais caros do país, mas as casas para segunda habitação vendiam-se. É que pensar que a marca Figueira da Foz é só uma aposta no turismo é um erro. Para uma empresa que pretenda instalar-se cá, também importa que os seus funcionários fiquem satisfeitos com a ideia de virem trabalhar e até viver para a Figueira. E naquele tempo, não tenho dúvidas, ficavam. Porque a Figueira tem, realmente, qualidade de vida. Mas hoje em dia não tem mais nada. Parou. E é essa a imagem que passa, para o resto do país, para o estrangeiro. Uma aldeia do mar, no pior sentido.
João Ataíde defende a diplomacia económica como caminho para atrair investimentos em altura de crise. Considera que tem sido bem-sucedido?
A diplomacia económica não resulta apenas por falarmos dela. É preciso fazer alguma coisa. O exemplo da BTL é claríssimo quanto a isso: há uma total ausência de noção das responsabilidades das funções assumidas. A Figueira tem de viver 12 meses por ano, e para que isso seja possível é necessário captar investimento. A empresa municipal de turismo não foi criada para promover o Carnaval e as Festas da Cidade… isso foram contingências, mas que não deviam ter desviado a Figueira Grande Turismo do seu objetivo, que era o de desenvolver uma estratégia de venda da cidade do ponto de vista turístico, para depois partir dessa marca para outras conquistas, empresariais e industriais. Porque é um erro querer fazer hoje do turismo a principal aposta da Figueira. É uma vertente, mas tem de ser conjugada com a sustentabilidade do tecido empresarial e industrial. Foi isso que pedi, já, ao gabinete de estudos e ao conselho consultivo do PSD figueirense: que vão estudando, com rigor, os melhores exemplos, no país e no estrangeiros, para perceber o que é que é preciso fazer para captar investimento, para atrair indústria, para potenciar o turismo o ano inteiro. No fundo, para criar emprego no concelho, que tem de ser hoje a nossa principal preocupação. Mas para isso é preciso, hoje, ter mundo. Sair, ver. Não queremos inventar nada, porque hoje já ninguém inventa nada. Mas podemos aprender com o que funcionou noutros locais e importar as melhores ideias, adaptando-as à nossa realidade para fazer crescer a Figueira.
Dito assim, parece fácil…
Há trabalho feito que, apesar de tudo, pode ser resgatado, porque a marca Figueira da Foz ainda está na memória das pessoas. Não se trata de começar do zero. E, ao mesmo tempo, é preciso captar investimento industrial aproveitando o porto, mas não fazendo dele o único atrativo, porque uma empresa que se instale em Montemor-o-Velho também pode usar o porto…
O tempo das grandes obras, das grandes infraestruturas no concelho, acabou. À parte uma ou outra freguesia que tenha sido mais esquecida, as infraestruturas estão criadas. É tempo de um novo paradigma, de mobilizar todas as energias para a captação de investimento. Como é que isso se faz? Não é com oratória, é com um projeto sério, integrado, responsável, e com atrativos para os potenciais investidores. Desde logo apresentando candidaturas ao QREN para a criação de mais uma ou duas zonas industriais, ao lado das saídas das autoestradas, uma a sul do Mondego, e outra a Norte. E depois é preciso estudar as zonas industriais que concorrem diretamente com as da Figueira e oferecer condições competitivas, que podem ir dos benefícios fiscais aos preços do terreno.
Queixam-se dos ventos da crise, mas a verdade é que quando não há rumo definido, nenhum vento é favorável. E este executivo não tem nenhum rumo, nenhuma estratégia. Não há ideias. E não sou só eu a pensar assim: não encontro ninguém que me diga o contrário. Ninguém. Até as tertúlias políticas perderam um pouco o interesse, porque não pode haver grande debate sobre a política local quando, de um lado e de outro, só há críticas. Este presidente conseguiu isso: pôr todos de acordo. Contra ele.